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A trajetória do engenheiro civil que já assinou mais de 2000 projetos

Vítima de perseguição na Itália fascista dos anos 30, Mario Franco deixou sua marca em construções como Othon Palace e Hotel Unique em 65 anos de carreira

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 Maio 2019, 06h00 - Publicado em 31 Maio 2019, 06h00

Da prancheta do engenheiro civil Mario Franco saíram cálculos que serviram para sustentar alguns dos prédios mais emblemáticos da metrópole. Desde o primeiro edifício — o icônico Othon Palace Hotel, na Rua Líbero Badaró, no centro, no início dos anos 50 — até o último — a construção ainda em curso do Cidade Matarazzo, próximo à Avenida Paulista —, seu trabalho pôs em pé mais de 2 000 projetos de arquitetos no país. O engenheiro calculista é o responsável por planejar o esboço estrutural da edificação e também por prever as implicações da ação do tempo sobre a obra.

Projeção do Othon Palace: 65 anos de carreira (Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

Hoje, aos 90 anos, o professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) tem os seus “filhos” preferidos. Nessa seleta relação estão o Centro Empresarial Nações Unidas (na Marginal Pinheiros), o Hotel Unique (na Avenida Brigadeiro Luís Antônio) e o Palácio das Convenções do Anhembi (na Avenida Olavo Fontoura, em Santana, na Zona Norte). O Pátio Victor Malzoni, com duas torres espelhadas, localizado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, fecha a lista das construções mais queridas. Essa última possui um grande vão central, incluído para garantir a preservação de uma casa bandeirista tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).

Hotel Unique, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio (Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

Nem tudo o que Franco calculou se tornou conhecido pela beleza, no entanto. Ícone da degradação do centro, o Edifício São Vito é um desses casos. “Ele ganhou o apelido de treme-treme logo que ficou pronto, em 1959. Eram apartamentos pequenos e baratos”, recorda- se. O prédio foi implodido em 2011, sob a promessa (não cumprida) de que o seu terreno se tornaria um espaço de lazer e cultura. Outra estrutura de Franco que pode ter o mesmo fim do São Vito é o contestado “tobogã” do Estádio Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. Ainda no campo esportivo, foi dele o projeto de engenharia para o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, na beira da Rodovia dos Imigrantes, na Zona Sul.

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Cidade Matarazo, próximo à Paulista: o último trabalho (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além de planejar os prédios e estruturas verticais, Mario Franco atuou em projetos de grande impacto na vida do paulistano e que atualmente estão em evidência pelo lado negativo. Os viadutos Alcântara Machado e Bresser, na Zona Leste, passaram por sua prancheta nos anos 70. O segundo faz parte de uma lista da prefeitura de locais com grande risco de colapso e que deverão ter reformas emergenciais. “Nessa época, o concreto armado era tratado como material eterno”, diz. Ao longo dos anos, os especialistas perceberam que a durabilidade não era tão elástica assim e que o material não protege a estrutura de agentes corrosivos ao aço. “Não há erro de projeto, e o concreto de hoje garante muito mais a armadura. Agora a prefeitura vai ter de correr atrás e fazer as reformas”, afirma.

Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro (Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

Nascido em Livorno, na Itália, em 14 de março de 1929, Mario Franco teve uma vida atribulada já na infância. De origem judia, ele foi obrigado a deixar o país natal com a família em 1939, às vésperas do início da II Guerra Mundial, por causa da perseguição imposta pelas leis raciais do regime fascista do ditador Benito Mussolini. Por aqui, adaptou-se facilmente, junto com sua irmã dois anos mais nova. Criado na Alameda Jaú, nos Jardins, foi aluno do prestigiado Colégio Dante Alighieri e logo se apaixonou pelo Corinthians e também pela engenharia, formando-se em 1951 pela Escola Politécnica da USP.

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Instituto Tomie Ohtake (Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

Assim que recebeu o diploma, Franco se juntou ao colega Julio Kassoy (morto em 2016, aos 93 anos) e abriu um escritório no centro. “Era uma região nobre, com bons cafés e livrarias. Tenho excelentes lembranças do velho centrão, mais humano que o da atualidade”, recorda. Outra lembrança nostálgica do engenheiro também enfrenta um longo processo de degradação. Nos anos 50, enquanto começava a arrumar a vida profissional, descobriu no Guarujá um ponto de refúgio e de prática de caça submarina. Daí surgiu uma nova paixão: o iatismo. Entre uma velejada e outra, fez uma casa na Praia da Enseada. “Era comum ver veados saltar na frente do carro. A cidade era misteriosa, com poucas casas e quase nenhum acesso.” Com a construção da antiga Rodovia Piaçaguera-Guarujá, o sossego foi embora, mas a prosperidade chegou. A partir dos anos 70, os empreendimentos dos quais participou como calculista ajudaram a transformar o município do Guarujá em um dos mais badalados do litoral. “Por causa da idade não consigo velejar e sinto saudade do mar”, diz ele, que é casado pela segunda vez e tem cinco filhos e quatro netos. Para compensar a falta de contato com a natureza, Franco passa o tempo fotografando passarinhos que tomam banho nas sacadas de seu confortável sobrado, localizado no bairro de Perdizes, na Zona Oeste paulistana. Calculado, é claro, por ele mesmo.

(Veja SP/Veja SP)

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 05 de junho de 2019, edição nº 2637.

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